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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A TROCA DO PNEU


Estou sentado de costas para a vala.
O motorista troca o pneu.
Não amo o país de onde venho
Não amo o país para onde vou.
Por que olho a troca do pneu
Com impaciência?
.

Bertold Brecht 

JAMAIS TE AMEI TANTO




Jamais te amei tanto, ma soeur
Como ao te deixar naquele pôr do sol
O bosque me engoliu, o bosque azul, ma soeur
Sobre o qual sempre ficavam as estrelas pálidas
No Oeste.
Eu ri bem pouco, não ri, ma soeur
Eu que brincava ao encontro do destino negro -
Enquanto os rostos atrás de mim lentamente
Iam desaparecendo no anoitecer do bosque azul.
Tudo foi belo nessa tarde única, ma soeur
Jamais igual, antes ou depois -
É verdade que me ficaram apenas os pássaros
Que à noite sentem fome no negro céu.


Bertold Brecht 

VOU LHES DIZER


Eu me dizia: pra que falar com eles?
Se compram o saber, é pra revendê-lo.
O que querem, é encontrar o saber bem barato
Para que eles possam revendê-lo com lucro.
Então por quê eles quereriam saber daquilo que vai
contra a lei da oferta e da procura?

Eles querem vencer, e não se interessam
por aquilo que prejudica a vitória.
Eles não querem ser oprimidos,
querem oprimir.
Eles não querem o progresso,
querem ser os primeiros.

Eles se submetem a qualquer coisa, contanto
que se lhes prometa que eles farão a lei.
Eles se sacrificam
pra que não se ponha abaixo
o altar dos sacrifícios.

Eu pensei: o que eu vou dizer a eles?
E depois decidi: é isso que eu vou dizer.


Bertold Brecht 

PRECISAMOS DE VOCÊ



Aprende - lê nos olhos,
lê nos olhos - aprende
a ler jornais, aprende:
a verdade pensa
com tua cabeça.
Faça perguntas sem medo
não te convenças sozinho
mas vejas com teus olhos.
Se não descobriu por si
na verdade não descobriu.
Confere tudo ponto
por ponto - afinal
você faz parte de tudo,
também vai no barco,
"aí pagar o pato, vai
pegar no leme um dia.
Aponte o dedo, pergunta
que é isso? Como foi
parar aí? Por que?
Você faz parte de tudo.
Aprende, não perde nada
das discussões, do silêncio.
Esteja sempre aprendendo
por nós e por você.
Você não será ouvinte
diante da discussão,
não será cogumelo
de sombras e bastidores,
não será cenário
para nossa ação .

Bertold Brecht 

DE QUE SERVE A BONDADE


1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados,ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?

2
Em vez de serem apenas bons,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor:que a torne supérflua!

Em vez de serem apenas livres,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!

Em vez de serem apenas razoáveis,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.


Bertold Brecht 

ESSA CONFUSÃO BABILÔNICA



Essa confusão babilônica das palavras
Vem de que são a língua
De decadentes.
O fato de não mais os entendermos
Vem de que não mais adianta
Entendê-los.
De que adianta
Contar aos mortos como teriam
Vivido melhor. Não procure mover
Um morto enrijecido
Fazê-lo perceber o mundo.
Não brigue
Com aquele pelo qual
Os jardineiros já esperam
Melhor ser paciente.

Recentemente quis
Contar-lhes com astúcia
A história de um comerciante de trigo
De Chicago. Em meio à palestra
Minha voz me deixou de repente
Pois eu havia
Subitamente percebido
Que esforço me custaria
Contar essa história aos ainda não nascidos
Que no entanto nascerão
E viverão em épocas bem diferentes
E felizardos! não mais poderão
Compreender o que é um comerciante de trigo
Assim como é entre nós.

Então comecei a explicar isso a eles. E no espírito
Parecia-me que falava durante sete anos
Mas deparei somente
Com um silencioso balançar da cabeça
Em meus ouvintes não-nascidos.
Então percebi que
Falava de algo
Que um homem não pode entender.

Eles me disseram: Vocês deveriam
Ter mudado suas casas, sua comida
ou vocês. Diga-nos, não havia
Um modelo para vocês, mesmo que
Somente em livros de épocas anteriores
Modelos de homens, desenhados ou
Descritos, pois nos parece que
O seu motivo era mesquinho
Fácil de ser mudado, quase qualquer um
Podia percebê-lo como falso, desumano e sem igual.
Não havia um velho
Plano simples, pelo qual se
Orientassem em sua confusão?

E disse: Os planos existiam
Mas vejam, eles estavam cinco vezes
Cobertos com novos signos, ilegíveis
O modelo alterado cinco vezes, conforme
Nossa imagem degradada, de modo que
Nesses relatos mesmo nossos pais
Assemelhavam-se apenas a nos.
Com isso perderam o ânimo e me despacharam
Com o lamento displicente
De gente feliz.


Bertold Brecht 
Tradução Paulo César de Souza


NADA É IMPOSSÍVEL MUDAR



"Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural

nada deve parecer impossível de mudar."


Bertold Brecht 

ELOGIO DA DIALÉTICA



A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o começo
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos
Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã!


Bertold Brecht 


O BALANÇO




Vejo bem esse sistema.
Que a gente aliás conhece há muito, de fora,
mas cujo mecanismo ainda é ignorado.
Alguns — poucos — estão sentados no alto
e um grande número em baixo.
E os de cima gritam: Subam,
pra que fique todo o mundo no alto!
Mas olhando de mais perto, a gente percebe
alguma coisa de obscuro que parece um caminho.
Na verdade é uma prancha,
e se vê nitidamente
que se trata de uma gangorra.
Todo o sistema é um jogo de balanço,
cujas extremidades dependem uma da outra.
E estes só estão em cima
porque os outros etão todos embaixo
e enquanto eles permanecerem aí.
Porque se eles saíssem do seu lugar
e começassem a subir
os primeiros também teriam que sair do seu lugar.
De forma que é fatal que eles desejem
que os outros, por toda a eternidade
fiquem embaixo sem poder subir.
E é necessário também que os de baixo sejam mais
numerosos ou a prancha vacilaria, já que é uma
gangorra.



Bertold Brecht 

LISTA DE PREFERÊNCIAS



Alegrias, as desmedidas.
Dores, as näo curtidas.

Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexequíveis.

Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.

Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.

Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.

Artes, as näo rentáveis.
Professores, os enterráveis.

Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.

Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.

Cores, o rubro.
Meses, outubro.

Elementos, os fogos.
Divindades, o logos.

Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.



Bertold Brecht
(Tradução de Paulo César de Souza) 


AOS QUE VIERAM DEPOIS DE NÓS


Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
[(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.

Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.

Bertold Brecht